União Europeia de Defesa – Realidade ou utopia?

23-11-2016 21:24

I. O projeto europeu que trouxe o maior período de paz de sempre ao velho continente assiste hoje a um esvaimento deste seu mote fundador.

Perante o aglomerado negativo de fenómenos composto pelos ataques terroristas e propagação do medo por atores não-estatais dentro das fronteiras europeias, o (consequente) recrudescimento dos populismos, nacionalismos e de sentimentos xenófobos generalizados, o Brexit, a postura mais agressiva da Rússia de Putin, a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, a instabilidade nos países abrangidos pela Política Europeia de Vizinhança - nomeadamente a Ucrânia e a Síria - entre outros, urge dar à Europa um novo ímpeto.

Face à aparente inércia da União em fornecer respostas concretas e eficazes que restabeleçam a segurança do seu território, os cidadãos europeus tendem cada vez mais a afastar-se de Bruxelas, virando-se para as suas capitais em busca de soluções.

II. Este cenário obriga a que os líderes da União Europeia procurem formas de reinventar o projeto europeu, de modo a tornar possível que o continente se posicione de forma hábil e holística no panorama mundial, adquirindo uma influência maior e, acima de tudo, mais personificada - através do papel da Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança e Vice-Presidente da Comissão, como uma verdadeira “Ministra dos Negócios Estrangeiros da União” - e, (só) assim, sobreviver.

O exemplo mais concreto e recente desta estratégia é a proposta de criação de uma União Europeia de Defesa (UED), feita inclusive pelo presidente da Comissão, Jean-Claude JUNCKER, no Discurso sobre o Estado da União - mas será a execução desta defesa comunitária exequível, ou uma utopia?

III. A maior cooperação em matéria de defesa (que tem figurado recorrentemente na agenda europeia do último mês) almeja dotar a União de uma capacidade de exercer “hard power” - entenda-se, poder militar. De facto, a trilogia Terrorismo-Brexit-Trump parece criar uma conjuntura especialmente propícia à concretização do projeto antecipado pelo Tratado de Lisboa. Este deverá servir como guia para a implementação progressiva de uma União Europeia de Defesa, em concordância com a Política Comum de Segurança e Defesa, por seu turno baseada na Cooperação Estruturada Permanente entre os Estados-Membros e sob a vanguarda de uma Agência Europeia de Defesa reforçada.

No passado, o Reino Unido fora o principal opositor àquilo que apontava como uma “duplicação das estruturas da NATO”, designadamente a criação gradual de um exército europeu, e de um quartel-general permanente, propostas que, após o referendo que ditou o Brexit, voltaram a ser colocadas na ordem do dia pela iniciativa Franco-Alemã, apoiada por países como a Espanha, a Itália, e possivelmente o Grupo de Visegrad (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia).

Embora a conjuntura atual pareça favorável à execução deste projeto, os obstáculos crónicos que o impediram até agora não devem ser menosprezados, nomeadamente a questão da soberania nacional associada à defesa de cada Estado, e a existência de países neutros dentro da UE, como a Áustria ou a Irlanda.

IV. Contudo, os avanços mais recentes neste sentido sugerem que as vantagens da solução comunitária de defesa suplantam as suas desvantagens: ontem, o Parlamento Europeu aprovou um relatório sobre a União Europeia de Defesa, onde recomenda, entre outras coisas, a criação de um quartel-general permanente, a utilização de forças multinacionais para operações de manutenção da paz e prevenção de conflitos, e a fixação de uma despesa mínima de 2% do PIB de cada Estado-Membro para a defesa. Estas propostas acrescem às da própria Alta Representante da União, que juntamente com os Ministros da Defesa dos Estados-Membros, apresentará um plano europeu de implementação da nova política de defesa, assente numa parceria estreita, embora complementar, à NATO - dentro da qual se teme um desinvestimento da América de Trump.

V. Guiada pela ambição de conquistar um lugar na nova ordem mundial em ascensão, e de corresponder em simultâneo às expetativas dos seus cidadãos, já não basta à sobrevivência da União Europeia, potência diplomática por excelência, resguardar-se no conforto traiçoeiro dos seus discursos e negociações infindáveis.

Devemos por isso encontrar a vontade política para dotar a União de estruturas, ferramentas e de um roteiro próprio, que nos permitam assumir as rédeas da nossa segurança e defesa de uma forma mais autónoma, responsiva e adaptada à multiplicação das ameaças dentro e fora dos nossos limites fronteiriços, sob o prejuízo de fatalidade incerta de perdermos a credibilidade neste projeto comunitário de paz.

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