Um Ano de Desgoverno
12-01-2017 22:07
Fez um ano, no mês passado, que começou um inédito governo em toda a história da democracia portuguesa, pela primeira vez o vencedor das eleições não tomou S. Bento. Assistiu-se também ao regresso das extremas-esquerdas ao suporte do sistema governativo, algo estranho aos últimos quarenta anos. Apoiam esta solução governativa partidos eurocépticos, com um conceito “especial” de democracia e com uma relação respeitosa e amistosa para com regimes de particular suspeita (por exemplo a esquisitíssima ligação do PCP a Pyongyang ou a Cuba).
O Partido Socialista, revelando uma extraordinária sede de poder (ou António Costa, revelando um desesperado instinto de sobrevivência), dispôs-se a contrariar toda a sua história, toda a sua benignidade moderada e aqueles que são os seus princípios fundacionais.
Já não estamos perante o PS de Soares (Deus o tenha) que impediu a totalitarização marxista do regime; nem perante o partido social-cristão do indulgente engenheiro Guterres (a ONU o tenha); nem mesmo perante o partido de ímpeto reformista, quase centrista, dos primeiros anos de Sócrates (o MP o tenha). O Partido Socialista não inverteu os seus valores, simplesmente perdeu-os em absoluto e trocou-os por uma louca vontade de poder. Para comprar S. Bento vendeu a sua cartilha ideológica, o bom pudor institucional e o interesse nacional à esquerda revolucionária.
Poderiam perguntar-me: com que propósito, passado um ano, são úteis ainda estas referências e acusações? Porque a génese do actual governo é a chave para compreender as suas políticas, as suas inclinações comportamentais e o seu posicionamento estratégico. Só assim percebemos a capitulação de sectores estratégicos, como a educação e os transportes, para os sindicatos controlados pela esquerda radical. Não é o interesse nacional, nem a execução dum programa de ajustamento, nem sequer o crescimento económico aquilo que motiva e determina a essência da acção deste governo – mas sim, unicamente, a vontade de poder.
É certo que há estabilidade, mas a que preço? Na educação cedeu-se às exigências da esquerda radical, veja-se o caso das provas do ensino básico e a perseguição desmesurada aos contratos de associação. A respeito dos transportes, assim como dos estivadores, a transigência total para com os sindicatos, com prejuízos sérios para o contribuinte e com uma degradação visível do serviço prestado. Em relação à Europa, optou-se por fazer coro com a Grécia de Tsipras, deitando a perder quatro anos de esforços contínuos para diferenciar a situação portuguesa da tragédia grega.
O populismo eleitoralista não podia ser menos despudorado – a generalidade da reposição de rendimentos só terá efeitos a partir de Agosto de 2017; isto é, um mês antes das autárquicas. A diminuição do IVA da restauração ofende qualquer raciocínio económico e não visa senão a captação de votos. A preferência por satisfazer os interesses específicos dos sindicatos, sobre a qualidade do serviço público prestado, espelha uma obsessão eleitoralista sem freios nem vergonha. A maquilhagem orçamental, produto das cativações em diversos sectores vitais, prejudica o Estado Social, designadamente o Serviço Nacional de Saúde. A
opção pelos impostos indirectos, com vista apenas a chamar de “rigor” à antiga e terrível “austeridade”.
Regressaram também velhos hábitos que não deixavam saudade nenhuma: Um ministro da cultura, que ameaçou dar “bofetadas” a um jornalista; um secretário de Estado da Educação com um curso falseado; um secretário de Estado dos Assuntos Fiscais com relações comprometedoras com uma empresa numa situação conflituosa com o fisco; para não referir a novela da Caixa Geral de Depósitos que já ultrapassou todos os limites do aceitável para um Estado de Direito, representando este processo um enorme dano para o banco público, que trará custos significativos para os accionistas do banco, leia-se – todos e cada um dos portugueses.
É verdade - há crescimento económico; mas é também verdade que, mesmo nas melhores projecções, vamos crescer menos do que no ano passado – cresceremos 1.2% este ano contra 1.6% em 2015 (não era esta a grande bandeira do Partido Socialista?!). É verdade - o desemprego está a diminuir; mas é também verdade que a velocidade de queda do desemprego desacelerou em relação ao ano passado – cairá 1.3 pontos percentuais este ano contra 1.5 em 2015. É verdade – a balança corrente e de capital é positiva; mas é também verdade que o saldo com o exterior piorou gravemente comparando com o ano passado – passou para 1.3 mil milhões € este ano contra 2.1 mil milhões € em 2015 (mesmo considerando o aumento exponencial dos valores do turismo). É isto um caso de sucesso? Para quem?
Há surpresa com a estagnação do investimento nacional e estrangeiro? Como seria possível esperar que um governo dependente de partidos marxistas e que rasgou o compromisso de alteração do IRC tivesse qualquer atractivo para os investidores? O PS ao assinar os acordos com as esquerdas tem de assumir todas consequências que esses mesmos acordos reproduzem.
Esta solução governativa impede e até reverte reformas estruturais, fundamentais para colocar o país numa situação económico-financeira estável, saudável e robusta. Estamos a desperdiçar tempo precioso, não aproveitando o petróleo barato, nem as taxas de juro do BCE que estão em níveis historicamente baixos. Os ventos não nos soprarão sempre favoráveis. Ainda assim, são ridicularizados aqueles que apontam o perigo de não usufruir deste momento para ganhar uma posição segura, prudente e responsável.
Ouso um paralelo – este ano, todo o país ficou escandalizado com os múltiplos incêndios que devastaram as florestas portuguesas, contudo parece que só nos lembramos do fogo quando é Verão. Pergunto - não é agora, nos meses frios e tranquilos, que deveríamos aproveitar para limpar as matas, para executar campanhas preventivas e para adquirir o necessário material de combate aos incêndios? Mais tarde, quando tudo arder de novo, quando o perigo voltar, quando vier o diabo – a culpa será do calor, a culpa será dos outros, a culpa será da irracionalidade dos mercados… Mas é pena, porque tarde já não contam os lamentos, já não conta o oxalá, já de nada servem as considerações…
Parabéns a António Costa – formar um governo inédito e aguentá-lo por um ano é obra! Porém é muito triste que o seu sucesso advenha da sua sobrevivência política e não do sucesso do seu país…
António de Carvalho Capela, Economista