"Os Jovens de hoje têm Voz?", por Daniel Sampaio
23-10-2016 21:09
Daniel José Branco de Sampaio é um psiquiatra e escritor português. Doutorado em Psiquiatria, foi um pioneiros da Terapia Familiar em Portugal. Além disso, foi também Diretor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria. Dedicou grande parte da sua vida ao estudo dos problemas dos jovens e das suas famílias. Na rádio Renascença, teve um programa denominado "Sociedade do Conhecimento". De 2008 a 2010, colaborou com o Rádio Clube Português com a rubrica "Visto Daqui". Foi colaborador da revista dominical do jornal Público, até Dezembro de 2015. A 9 de Junho de 2006, foi condecorado Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, honra atribuído pelo Presidente da República, Anibal Cavaco Silva.
Parabéns pelo vosso espaço «A Voz dos Jovens»!
No entanto, interrogo-me se a vossa voz se faz ouvir nos locais certos: a família, a escola e a comunidade onde estão inseridos.
Há 22 anos, em 1994, escrevi um livro chamado «Inventem-se novos pais». Foi uma obra muito lida e muito discutida, sobretudo pela provocação que o título continha. O que eu procurava era justamente «dar a voz aos jovens» e propor uma mudança nos pais, de modo a que estes ficassem mais atentos às transformações da adolescência.
Nessa época ninguém falava da internet e os pais queixavam-se de que os filhos viam muita televisão. Tudo mudou, a internet revolucionou a vida de todos nós, mas sobretudo alterou a vossa maneira de encarar o mundo: hoje os jovens estão sempre conectados, recebem informação a cada instante e, sobretudo, estão próximos de outros jovens, não só amigos mas por vezes apenas conhecidos.
A imagem adquiriu grande importância: tudo se fotografa e logo se envia, e as redes sociais não param de transmitir conteúdos, nem sempre interessantes ou respeitadores da privacidade de cada um.
A voz dos jovens tem assim novos canais de transmissão, mas ainda assim é pouco ouvida. Existem famílias onde os adolescentes não são respeitados, ao mesmo tempo que aumentam os agregados familiares onde os filhos também desrespeitam os pais. Na escola, a indisciplina cresce, muitas aulas são sentidas como «secantes», mas são poucas as turmas onde os alunos podem fazer propostas para melhorar o ensino. A política é pouco atrativa para os mais novos e as juventudes partidárias têm gente nova com pouca capacidade de mobilização dos colegas. Nos bairros e nas cidades existem poucas possibilidades para que alguém jovem possa emitir uma opinião.
O caminho só pode ser um: temos de multiplicar a voz dos jovens, fazê-la ouvir em todos os contextos.
Para isso, os mais novos têm de ser cada vez mais curiosos, perguntar, pesquisar, ousar contestar com frontalidade e respeito pelos mais velhos. A leitura, por vezes esquecida no quotidiano juvenil, é essencial para aumentar o conhecimento, para fazer pensar, para conhecer o mundo. As conversas com os adultos são importantes para ouvir aquilo que os adolescentes por vezes desvalorizam, a chamada «experiência da vida», que permite encontrar caminhos nas situações mais difíceis.
Claro que é muito bom que os jovens se divirtam. É um importante sinal de alarme quando encontramos um adolescente triste, isolado e sem amigos. Com organização, no entanto, tudo se consegue e, de facto, há tempo para tudo.
Fico à espera dos vossos comentários sobre o que escrevi.