O Pós-Guterres
07-10-2016 18:45
Por estes dias, estamos todos muito orgulhosos. Não é para menos. António Guterres foi aclamado como novo Secretário-Geral da ONU. Mais do que a eleição em si, devemo-nos orgulhar da inteligência do nosso conterrâneo, do trabalho da diplomacia portuguesa e do prestígio que este processo deu a Portugal e à política internacional, nomeadamente pela forma transparente como decorreu.
Tal como referiu o Presidente da República, esta é a prova de que os portugueses têm uma especial aptidão para estabelecer diálogos e criar pontes. Até o jornal espanhol “El País” descreveu Guterres como um homem com as virtudes tradicionais dos portugueses: a paciência e o respeito.
No entanto, o orgulho que sentimos neste momento em ser portugueses deve transpor-se para o quotidiano. Aquilo que alcançámos é notável, mas a vida continua. Não será a ONU, nem muito menos Guterres, a resolverem os problemas estruturais que Portugal apresenta.
Por isso, devemos descer novamente “à Terra” e relembrarmo-nos que o Orçamento do Estado deverá ser apresentado dentro de alguns dias. É importante estarmos atentos a possíveis manobras de bastidores. Neste momento surgem sempre diversas questões.
Vai ou não existir um aumento de impostos?
Para que serve este perdão fiscal que o governo anunciou agora e que passou quase despercebido?
O PS terá a difícil missão de mediar uma pseudo guerra das esquerdas entre BE e PCP, que neste momento discutem o protagonismo de quem aumenta mais reformas e taxa (ainda) mais os ricos.
Na verdade, eles têm o Partido Socialista na mão. Sem eles o governo cai. O único argumento que António Costa tem a seu favor é o mesmo de sempre: só esta solução inviabiliza o regresso da direita ao poder (o que as sondagens começam a contrariar).
Do ponto de vista internacional, temos de ter em atenção toda a carga negativa que o processo de eventual corte de fundos está a ter na nossa imagem. Avista-se também a possibilidade de perdermos credibilidade no mercado externo aliada a uma consequente avaliação negativa ao nível dos ratings internacionais. Voltaríamos a ser avaliados como lixo pelas agencias o nos impediria de beneficiarmos das atuais taxas de juro e termos empréstimos do BCE.
Para além disso, dentro em breve estamos em 2017, o ano das autárquicas. Apesar do que tem sido dito pelos líderes dos partidos, as eleições para o poder local têm sempre influência na vida política nacional. Guterres é o maior exemplo disso...
Pode parecer que falta um ano, mas é agora que as estratégias se definem e que avançam os primeiros candidatos. Alguns já são conhecidos, os recandidatos. Outros são esperados até à última hora, envoltos numa névoa sebastianista, tais como Isaltino ou Santana Lopes. Mas aqui devemos questionar-nos sobre quais os desafios que se colocam aos Partidos.
O PS terá de se debater com o normal problema de quem está no poder e que normalmente é penalizado em atos eleitorais entre legislativas.
O PSD dificilmente perde mais câmaras do que em 2013, dado o tamanho da derrota que sofreu. No entanto, o fosso que abriu para os socialistas pode ser impossível de recuperar. Porém, ficar atrás do PS poderá mesmo nestas circunstâncias ser uma vitória?
A CDU tem a tarefa de manter o seu suporte de base, se bem que nunca ouviremos a coligação assumir uma derrota seja em que circunstância for.
O BE terá de fazer muito melhor do que tem feito em matéria de autárquicas ou arrisca-se a perder força no panorama da governação.
Já o CDS terá de manter as suas autarquias mas sobretudo conseguir descolar a sua imagem do PSD e afirmar a sua independência. A candidatura de Cristas é o primeiro passo.
Já se sente no ar o espírito deste “fenómeno” político que só ocorre de 4 em 4 anos. Dentro de meses as populações saem às ruas e mobilizam-se para escolher os seus autarcas. Dado o distanciamento do Poder Central em relação às pessoas, os autarcas são cada vez mais os pilares do nosso sistema democrático. Tanto pela proximidade que possuem com os cidadãos como pela forma como tratam os seus anseios.
Continuemos a festejar mas com os pés bem assentes na terra. Este é apenas o início de um ano político que se avizinha longo e com muitos problemas por resolver já ao virar da esquina...