O Desígnio Democrático

20-10-2016 20:55

A sociedade que constituímos e na qual vivemos tem um valor que é referência. Um valor intangível, indiscutível e que perdura, permanece e se assume como principal nas nossas dinâmicas existenciais: o indivíduo e os seus direitos. Pela dimensão da sua importância, reclama instituições adequadas, em contexto de Democracia. E reclama, por isso, um aperfeiçoamento constante dos seus sistemas e métodos.

            O Democracy Index 2015, do The Economist Intelligence Unit, sustenta esta ideia. Portugal é considerada uma Flawed Democracy, ocupando a 33ª posição do ranking, com uma pontuação média de 7.79 pontos (em 10 possíveis). Se nos podemos orgulhar das vertentes relativas ao “Processo Eleitoral e Pluralismo” (com 9.58 pontos) e às “Liberdades Civis” (com 9.41 pontos), o mesmo não se pode dizer dos restantes três: “Funcionamento do Governo” (6.43 pontos); “Participação Política” (6.67 pontos); “Cultura Política” (6.88 pontos). No ano em que assinalamos os quarenta anos da nossa Constituição, na semana em que as Eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores nos revelam uma abstenção que ronda os 60% e diante destes dados, haverá melhores motivos que nos apelem para a urgência de repensar o funcionamento do sistema político português?

            É imperativo, por isso, promover um debate e reflexão conjuntos sobre uma reforma do sistema político, orientada por (e para) três diretrizes fundamentais e inextricáveis da mais salutar Democracia: (1) a proximidade e participação cívica e política, (2) a transparência e (3) a educação para a cidadania. Os progressos que se realizaram desde 1974 exigem e merecem, de modo indubitável, que se adotem medidas que melhorem a qualidade da Democracia portuguesa - e que medidas poderão ser?

            Primeiramente, o desenvolvimento do modelo alemão de duplo voto (sistema misto). A distribuição dos lugares do Bundestag é realizada de acordo com um círculo eleitoral nacional (elege metade dos deputados, de acordo com o método proporcional; os eleitores votam em partidos) e com diversos círculos uninominais (elege a restante metade dos deputados, de acordo com o método maioritário; os eleitores votam no deputado que deverá representar a sua circunscrição). Deste modo, através dos círculos uninominais e da pessoalização do voto, fomentamos a proximidade entre eleitores e eleitos e, por conseguinte, a responsabilização destes últimos (enquanto representantes da vontade de quem os elegeu) e a redução da abstenção - cujos valores evidenciam a desatualização dos cadernos eleitorais e a urgência de os atualizar. Por outro lado, com a manutenção do modelo proporcional, evitar-se-á que as máquinas eleitorais dos dois maiores partidos do panorama nacional suplantem os partidos de menor dimensão.

            Depois, com vista à maior transparência das instituições e dos elementos que as constituem, deve-se instituir a obrigatoriedade de revelação da origem dos rendimentos, por parte dos titulares de cargos públicos. Na Dinamarca (o país menos corrupto do mundo, de acordo com o ranking de 2016 da Transparency International), informações desta índole estão disponíveis para consulta dos cidadãos - e há a possibilidade de requerer mais informações. A transparência de quem nos governa, das instituições e dos partidos políticos é fundamental e influi indiscutivelmente na confiança que os cidadãos manifestam nos elementos supracitados.

            Em terceiro lugar, para que se possa promover uma verdadeira educação para a cidadania, dever-se-á apostar na reintrodução das disciplinas de Área de Projeto ou de Formação Cívica no leque curricular do Ensino Básico e Secundário. Todavia, a concretização desta proposta só fará sentido se estas disciplinas forem dotadas de um plano curricular próprio, com a capacidade de materializar um espaço adequado e propício ao debate e discussão política, cívica, cultural, económica e social. A escola é, também e principalmente, um espaço que nos ensina a saber estar no mundo - é um pilar indissociável da formação de cada jovem para a cidadania e, portanto, do futuro.

            Porém, há um denominador comum e incontornável às várias mudanças que devem ser implementadas - a vontade da classe política. E a inércia em que esta está ancorada impossibilita a mudança. A título de exemplo, com a reforma constitucional de 1997, abriu-se caminho à possibilidade de introdução de círculos uninominais, através do artigo 149º. Desde então, esta proposta figurou em vários programas eleitorais (de partidos que estiveram no governo, inclusive) e nenhuma mudança foi materializada.

            A terminar, recorro à célebre frase que Churchill proferiu a 11 de novembro de 1947, na Câmara dos Comuns: “A Democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras já experimentadas ao longo da História.” Contudo, precisamente porque é a melhor que conhecemos, exige o seu constante aperfeiçoamento. A Democracia é um termo indissociável do léxico de Liberdade que nos caracteriza. Ousemos afirmá-la.

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