O Desastre Americano – Barack Obama
11-11-2016 17:56
Ao acordarem, no dia 9 de Novembro de 2016, todos os cidadãos de todos os países esfregaram os olhos mais vezes do que o habitual – Donald John Trump fora eleito como o 45º Presidente da nação mais poderosa do mundo. Contra o sistema, contra os media, contra as sondagens – a vitória do célebre empresário consumou-se como um facto irreiterável. Por todas as partes levantaram-se os clamores, as exclamações e a pergunta: “Como foi possível?”. E assim se vai assistindo de pasmo em pasmo sempre à mesma questão – “Como foi possível?”. A pergunta repete-se e repete-se – todavia surpreendamo-nos – não se nota, particularmente na imprensa europeia, um esforço sincero para responder à insistente interrogação.
Ultrapassando o mero lamento e tentando compreender o que colocou esta controversa personagem na presidência, temos de referir que o fracasso do mundo da comunicação não começou com a diabolização de Donald Trump, mas sim com a divinização de Barack Obama. Se queremos compreender a eleição do novo Presidente dos EUA, temos incontornavelmente de atender ao mandato do anterior. Sim, podemos dizer clara, acentuada e indubitavelmente – sem Obama não haveria nem Trump, nem Sanders. É uma loucura desligar a eleição de Donald do mandato de Barack.
Há oito anos uma vaga de inaudita esperança invadiu as terras do Velho Oeste – promessas e sonhos de mudança, uma nova era – de justiça, de esplendor e de grandeza. Todos os problemas seriam resolvidos, chegara a “Change”, a “Hope”, e com estas a prosperidade. Yes we can! - Ora assim não se deu - No we could not! Sobre Obama caíram grandes expectativas, porém tudo saiu gorado; ainda assim, aos olhos da comunicação social na Europa, Barack é pintado como uma referência, como um ídolo, como um herói…
Atenda-se ao contraste arrasador - Bush foi globalmente condenado (e bem) pela guerra do Iraque, que manchou irrevogavelmente a sua carreira e os seus oito anos como Presidente. Obama, que iniciou a guerra no Afeganistão, na Líbia e na Síria, é ainda hoje globalmente aclamado. Obama, Nobel da Paz, quase faz parecer o Nobel da Literatura Bob Dylan algo justo e verosímil…
Em 2008 quem imaginava a primavera Árabe? Todo o Médio Oriente a ferro e fogo, vindo a despoletar na enorme crise migratória, que levou ao perigosíssimo crescimento da extrema-direita racista e xenófoba na Europa. Obama prometeu extinguir Al-Qaeda, contudo ajudou pela sua desastrada política externa para a formação do Estado Islâmico. Obama prometeu fechar Guantanamo e a famosa prisão continua hoje bem viva. A Rússia tem hoje uma influência diplomática inimaginável em 2008. Desastrado também na política interna Barack contribuiu para que crescessem abruptamente os conflitos raciais nos EUA. De aparência afável e simpática, amigo das crianças e dos desprotegidos, revelou-se porém um líder autoritário e abusador do decreto presidencial, criando uma crispação entre o Congresso e o Presidente não vista desde Nixon.
Eis o ponto fundamental – temos em Obama o orador brilhante, o sorriso carismático, a pose de estadista – a imagem do político perfeito! No entanto, a esta conjuga-se a mais irresponsável política externa e a maior inabilidade autoritária na política interna. Barack Obama levou assim a política americana ao divórcio mais absoluto entre “imagem política” e “acção política”, deslocando o centro da “acção” para a “imagem”, do ser para o parecer, da realidade para a fantasia; procurou compensar a sua incompetência agente com uma retórica inflamada. Criou as maiores expectativas, e assim se foram construindo oito anos de sucessivos fracassos e desilusões. A vitória do populismo na América, o início da demagogia na presidência não reportam a 2016, mas sim a 2008.
Foram estes contrastes – entre promessas e malogros; sonhos e frustrações; imagem e acção – que levaram à mais absoluta descrença não só no sistema político, mas também na própria política. Abrindo deste modo a via aos populismos exacerbados, ainda que distintos, de Trump e de Sanders (atenda-se ao facto de que este último, não fosse o aristocrático sistema de eleição do Partido Democrático, teria possivelmente disputado com Donald a presidência).
A comunicação social ao valorizar mais a expressão, o sorriso, a selfie, a lágrima, o afecto, o gesto; do que as políticas, do que a realidade, do que os efeitos, do que as opções estratégicas cooperou para a teatralização da política. Quase unanimemente se aclama Barack Obama como um grande Presidente. Mas porquê? Pela coragem? Qual coragem? A dos discursos? Pela boa disposição? Pelo optimismo? Pelas fotografias dulcíssimas? Pelas idas às escolas? Pela sua boa relação com o cão-de-água-português?
Quem considera um desastre a eleição do magnata nova-iorquino não pode esquecer que o verdadeiro desastre foram os oito anos do senador do Illinois. Foi Barack Obama que criou o fosso entre imagem e realidade – colocou a política americana num palco, num reality show – abrindo caminho para que Donald Trump, a superstar - popular, irreverente e polémica chegasse à retumbante vitória de terça-feira.
Oxalá Obama saia do pedestal em que a imprensa mundial, designadamente a europeia, o colocou, e que possamos com propriedade julgar estes dois mandatos funestos que minaram o mundo e perverteram a política americana com consequências bem visíveis. O grande desastre não é pois a vitória de Trump, cujos impactos só mais tarde poderemos avaliar; o grande desastre foram os últimos anos, com o pior Presidente americano desde Carter – e é deplorável que a comunicação social ora omita, ora enviese este julgamento tão crucial para compreendermos o resultado de terça e o mundo de hoje.
António de Carvalho Capela
Economista
(Este autor repudia o Acordo Ortográfico)