Intervir para libertar

24-02-2017 21:49

Um Direito Social é sempre uma liberdade positiva no sentido em que é necessária uma intervenção do Estado para que os proteja. Contudo, esta intervenção através da lei, descontando-lhe a Constituição, deve ser também uma atuação no sentido da não intromissão do Estado, entidades ou cidadãos na esfera pessoal (liberdade negativa). Os direitos sociais são, normalmente, uma liberdade negativa e positiva, sendo indispensável o positivismo (investindo e legislando) para a concretização da não intromissão prejudicial, seja ela arbitrária ou discriminatória.

Para além do investimento na saúde, na educação, no emprego e na habitação, a proteção de direitos sociais não se faz apenas de dinheiro, tendo a lei um papel determinante na sua concretização. Este raciocínio permite então perceber por que é que os Direitos Sociais são sempre Liberdades Positivas e que deve ser essa a perspetiva predominante quando se pretende garanti-los. Tanto a liberdade positiva como a negativa, em termos de direitos sociais, precisam sempre de uma ação do Estado que se confunde com o próprio conceito de Liberdade Positiva. A própria propriedade privada, uma das mais fundamentais garantias mínimas à dignidade, será salvaguardada através de uma não ação de outrem, seja do Estado ou de um indivíduo através da expropriação ou roubo (liberdade negativa). Mas para que se efetive esta inação a que um proprietário está dependente, é necessário que haja leis que proíbam o Estado de fazê-lo, leis que incriminem essas práticas e investimento na polícia e nos tribunais para que as pessoas, seja na representação de cargos políticos ou em ato individual, não possam ou sejam intimidadas a apropriar-se desse mesmo património ou valor.

Mas temos, por exemplo, a saúde e a educação, que são casos em que o grande paradigma é a Liberdade Positiva, pois o acesso à saúde e o acesso à educação só se faz, de maneira universal, com intervenção do Estado, investindo nestes mesmos serviços. Apesar das Liberdades Negativas, como a não discriminação, serem essenciais na garantia do acesso ao ensino, considero-as aqui autónomas por serem transversais a todos os Direitos Sociais, consubstanciando-se num Direito Social e uma pedra basilar da Justiça Social.

Este necessário investimento tem retorno, e o Governo de António Costa tem-no demonstrado bem. Quando se garantem Direitos Sociais, garante-se um presente e um futuro a um país.

A ideia de que foi a proteção excessiva de direitos sociais que enfraqueceu a economia não podia estar mais errada. Muito se contesta a este favor, recordando-se os anos que procederam o 25 de Abril. Li semelhante crítica, curiosamente, numa notícia do New York Times, muito divulgada, que destacava o trabalho de António Costa e do seu Governo no capítulo financeiro. Não notaram o óbvio: a contradição. O governo do nosso primeiro-ministro obteve tais resultados através de uma simultânea reposição dos direitos sociais. Mas todos os filhos que hoje podem ter mais centenas de euros para roupa, comida, saúde ou desporto, devido à gratuitidade dos manuais escolares, têm melhores condições socioeconómicas para poderem aprender e ter um futuro melhor.

A verdade é que esta reposição continua parca, demonstrando que, afinal, a carne não tinha assim tanta gordura, como achava o Governo anterior.

Se voltarmos mais atrás no tempo, constatamos que Portugal não protegia um grande leque de direitos sociais, pelo menos comparativamente com os outros países, e que, por isso, o problema não está no Estado Social ou, se estiver, é na falta dele no passado. Comparemos com Inglaterra. Só num investimento extraordinário, Tatcher superou os cem milhões de libras para o serviço de saúde inglês, que existe desde 1948, enquanto o Serviço Nacional de Saúde português existe apenas desde 1979 através duma lei do socialista António Arnaud.

Inglaterra tem a seu favor o tempo, fonte do empirismo das opções logísticas de organização e funcionamento - do know-how da administração - e dum maior investimento em estruturas que vão sendo renovadas ao longo dos anos com o apoio transversal do tal conhecimento. Temos de dar tempo aos serviços sociais portugueses para se adaptarem à realidade que encontram quando passam da teoria para a prática, chegando então a altura de fazer os verdadeiros investimentos. Essa transição, relaciona-se com o facto dos vários serviços não precisarem apenas de conhecimento científico em medicina ou educação; os técnicos, os especialistas, os administradores e os funcionários também têm de se acostumar à novidade prática. Depois, o empirismo de um é deixado lá como uma herança que não desaparece com a rotatividade do pessoal. Alinhando-se neste raciocínio, está a descentralização administrativa: medida progressista que denota uma compreensão de que, analisando a experiência e comparando com experiências estrangeiras, a capacidade de um serviço só é efetiva se for gerida em proximidade com os problemas específicos da região e, também por isso, capaz de responder a certos condicionalismos práticos da gestão corrente.

Não podemos desprezar todas as grandes conquistas que Portugal atingiu ao nível da proteção de direitos sociais. Seria um erro desmobilizar das batalhas que vencemos depois do 25 de Abril. A democracia existe porque não podemos baixar os braços e, quando o fazemos, as desigualdades apontam as suas pistolas e ferem com sangrentas balas de descredibilização os serviços de que cujo aperfeiçoamento depende a garantia dos Direitos Sociais e, por isso, a nossa dignidade. O Estado Social, para além de estimular a economia, é o garante da nossa libertação como indivíduos.

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