“Imagine all the People”

30-10-2016 21:21

Hoje celebra-se o Diwali, uma celebração da religião Hindu. Aproveitamos a ocasião para publicar um texto de um representante da comunidade Hindu em Portugal, o Amish Laxmidas, sobre como é praticar a sua fé na nossa sociedade.

 

O poder simbólico que a música tem na união de multidões é extraordinário. Uma nostalgia contagiante e pegajosa. A Religião como um instrumento que faz abrir mentes e não cair em juízos é que é capaz de ser muito difícil, não?

 Escrevo para vos explicar o que é ser Hindu em Portugal. O que é ser um jovem praticante, não fanático, nem adepto de extremismos, mas sim um indivíduo integrado (e orientado!) na sociedade Portuguesa. Deste lado encontram um Português, de Origem Indiana, Sul-Europeu – o que significa que também digo um monte de palavras menos doces quando o Ronaldo falha um golo -, Hindu, e ex-aluno durante anos de um Colégio Católico.

Para falar de Religião é importante esclarecer em primeiro lugar o contexto em que colocamos o debate: estamos aqui a tratar de Religião como um agente de socialização, local de comunidade entre membros de uma sociedade plural, em que dentro dessa comunidade se partilham certos valores e princípios considerados comuns. E não numa vertente de estádio teológico onde os estudiosos aderem a convencimentos religiosos e recorrem à explicação de fenómenos supranaturais.

Ter como guia a fé Hindu em Portugal passa, em primeiro lugar, pela clara e segura convicção numa mobilização de ideias, de um pluralismo e diversidade de fontes de pensamento da sociedade civil. A base da sociedade civil é o respirar dos grupos religiosos, económicos, políticos, desportivos, culturais. Isto pressupõe imediatamente colocar a seguinte questão: onde estou a praticar o meu Hinduísmo? Numa democracia ocidental tipo liberal, num país à beira mar plantado na Europa. Traduz, portanto, que ser Hindu em Portugal não significa, à partida, um choque grave e manifesto com qualquer instituição política, nem com qualquer Instituição moral, como é o caso da Família ou da Religião.

Perguntar-me-ão porquê. E a resposta é simples. Sou Hindu, sei que o Estado é laico, mas a sociedade não é. E sei que eu, o tal cidadão Hindu, de Origem Indiana, sou um indivíduo que está no mesmo patamar na obediência à lei. Quero com isto dizer é que há, enquanto indivíduo, uma série de direitos que são inalienáveis. Direitos de todo e qualquer Ser Humano. Neste patamar não interessa, portanto, se falamos de um Hindu, de uma ou um praticante do Cristianismo, de uma pessoa Islâmica, de uma judia ou de um budista. Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade de consciência e de pensamento.

E, é por ter isto claro que as diversas comunidades podem facilmente trazer inputs para as sociedades onde se estabelecem. As tais comunidades sabem que há uma regra estabelecida que devem cumprir, comum a todos os membros da mesma sociedade. E, assim, tendo a possibilidade de gozar a nossa liberdade de escolha em tudo aquilo que não seja um campo neutro, e que não seja a vontade do outro nem do Estado. Daí que digamos: o Estado é laico, mas a sociedade não é. Aliás, interessa-nos saber se de facto, o Estado deva assumir uma igual distância perante todas as religiões, como preconizava Jawaharlal Nehru, ou uma um igual respeito por todas as religiões, como defendia Gandhi. E, apesar de muitas simplificações que queiramos fazer, este é um debate complexo, árduo e importante.

Todavia, ser Hindu em Portugal passa por essa aceitação de que se está a viver numa sociedade maioritariamente católica, e que isso não significa conflito. Implica sim, como acredito que deva implicar, para um bom funcionamento da dita mobilização de ideias, um give and take entre as confissões religiosas (e comunidades minoritárias) e o Estado e a Sociedade.

Tem de haver um ponto de encontro em que ambas as partes estejam minimamente satisfeitas. Uma não pode exigir à outra que esqueça os seus princípios, valores, e hábitos de vida. Nem a outra pode exigir àquela uma transferência idêntica da prática cultural numa sociedade diferente da sua original.

Por isso, ser Hindu em Portugal é fácil. Muito fácil. É que em Portugal, a sociedade Portuguesa, e o Estado, não só respeitam a diversidade religiosa, nem apenas a toleram. Abraçam-na e celebram-na. De uma forma simples e sem receios. Ser Hindu em Portugal significa gostar do sol de inverno, de ir à praia logo que em Abril ou em Maio faça bom tempo e estender esse luxo até Outubro; e de abanar euforicamente a bandeira de Portugal quando a Seleccção Nacional é Campeã Europeia.

Celebra-se hoje o Diwali, o festival das Luzes. A festa do Diwali é para milhões de Hindus, Sikhs e Jainistas uma celebração suprema. Representa, de acordo com a mitologia Hindu, o retorno do exílio de uma das figuras mais importantes na crença Hindu, Rama, depois de ter ser mandado para o exílio pela sua madrasta, e de onde vem vencedor de uma batalha intensa e explosiva, assim descrita nos textos principais, contra Ravan, seu arqui-inimigo. Celebra-se, assim, o retorno do herdeiro do trono após catorze anos de afastamento do seu berço.

A festa simboliza luz e vivacidade. É o marco da vitória do Bem sobre o Mal, da Luz sobre a Escuridão. O Diwali é um festival de cinco dias, em que o dia principal coincide com o terceiro dia do ciclo, sendo que o quarto dia é o Ano Novo. É um momento que as famílias preparam as suas casas com pompa e circunstância, e que valores como a compaixão e a ternura se sobressaem. Sobressaem-se também os doces exóticos extraordinariamente calóricos da gastronomia indiana. Não é nada mais nada menos que um momento de rejúbilo entre avós e netos, entre primas e primos, tios e sobrinhos e entre amigos. Faz-me lembrar um outro momento do ano. Esse mesmo.

É o festival das Luzes. Pode ser que ela, a Luz, esteja ao fundo do túnel. Mas celebremos o facto de sabermos que a pudemos puxar do fundo, da escuridão, e exibi-la à vista de todos.

Cantaria John Lennon a letra que mobilizou multidões e que ainda hoje traz a tantas pessoas de todas as gerações, credos, cores e formas um arrepio surreal:

“Imagine there's no countries /It isn't hard to do/ Nothing to kill or die for/ And no religion, too/ Imagine all the people/ Living life in peace... You.../You may say I'm a dreamer/ But I'm not the only one”.

Eu, por outro lado, diria que também sou um sonhador, mas que sou Português. Sonho e vivo ao mesmo tempo. 

Voltar

Contactos

A voz dos Jovens