Da Importância da Pessoa Humana-I

19-02-2017 21:49

 Da Importância da Pessoa Humana

Parte I: Introdução 

Os alicerces sobre os quais assenta o modelo de sociedade ocidental foram mutilados e estão hoje cada vez mais frágeis. Os problemas internacionais agravam-se; a crença na democracia desvanece-se; os tumultos sociais multiplicam-se.

Assim, é urgente repensar o caminho pelo qual a sociedade enveredou, para a reformar à luz de valores e não de populismos ou eleitoralismos. Cabe aos políticos, os eleitos agentes da mudança, construir uma comunidade e não apenas o próximo resultado eleitoral. Nesta crónica, pretendo apresentar um modelo social assente num denominador comum: a pessoa humana.

Falar de pessoa humana é indissociável de falar de personalismo. Esta é uma corrente filosófica que coloca a pessoa humana no cerne da sua reflexão e da sua noção de sociedade. O seu maior impulsionador foi Emmanuel Mounier, filósofo francês da primeira metade do século XX. Atormentado pela monstruosidade das guerras mundiais a que assistiu, Mounier procurou desenvolver uma filosofia humanista, que realize a pessoa humana na sua vertente íntima, espiritual e interpessoal. Defende a dignidade da pessoa humana e, por consequência, da vida humana. Valoriza a liberdade, encarando-a como condição excelsa para a autodeterminação e como premissa base para a necessidade de uma consciência social.

Actualmente, atendendo à democracia que fomos edificando, o discurso político assenta essencialmente em três valores: liberdade, igualdade e fraternidade. Coroados em 1789, aquando da revolução francesa que decapitou um rei, estes valores pautam desde aí toda a política ocidental. Bifurcando-se entre os que são mais afetos à preponderância da liberdade, e os que crêem que apenas com igualdade as nações caminharão para a pujança, a democracia vive numa dicotomia baseada nestes dois valores. Infelizmente a fraternidade foi completamente alienada do discurso político.

Assim, debruçar-me-ei sobre cada um dos valores mencionados.

Liberdade

Vivemos numa sociedade onde o conceito de liberdade é dúbio e as suas fronteiras são cada vez menos indeléveis. A proximidade histórica para com momentos de ditadura, onde a liberdade era um luxo, levou-nos ao extremo oposto, onde a liberdade é preterida pela ditadura da libertinagem. Falamos de liberdade como algo basilar e fundamental em si mesmo, mas esquecemo-nos de que a liberdade é a realização da essência do Homem e não o contrário. O Homem não existe porque é livre, mas a liberdade só existe porque somos seres Humanos dotados de razão.

Vivemos numa sociedade onde o proibicionismo é visto como castrador e tudo o que se oponha à vontade de cada um de determinar fazer o que bem entender é um atentado à nossa esfera íntima. Mas um Estado onde tenhamos liberdade total estará ao serviço da pessoa Humana? A resposta é clara: não! A liberdade só faz sentido, se for construída com base na Pessoa Humana. O Estado deve evitar a todo o custo que o Homem atente contra si próprio.

Igualdade

Falar de Igualdade é falar da natureza humana. É tratar a base do personalismo. É necessário distinguir antes de mais aquilo que é a igualdade utópica e a igualdade fundamental. Por um lado, a igualdade choca frontalmente com a natureza humana. Por natureza, cada vida Humana é única e insubstituível. Logo, não existem dois seres humanos iguais. No entanto, se somos diferentes por natureza, esta também nos torna iguais. A igualdade é uma condição intrínseca a toda a espécie humana enquanto colectivo. Esse denominador comum que torna cada Homem, por mais diferente que seja, meu semelhante, cria uma panóplia de direitos numa sociedade democrática. Sendo assim, como proferiu Vítor Hugo: “A primeira igualdade é a justiça.”

No entanto, corremos muitas vezes o risco de desumanizar a igualdade. Tratar o todo como igual é esquecer as aspirações, as necessidades e as capacidades de cada um. O modelo soviético de uma igualdade imposta é a prova de que tratar o que é diferente de modo igual nunca conduz a outro resultado senão a clausura da natureza humana. E essa é sempre insustentável.

Fraternidade

Tida como um valor prosaico, caído em desuso, típico de sociedade rústicas onde todos se conhecem, a fraternidade nunca foi entendida com a seriedade e exigência que as suas virtudes exigem. Do Latim FRATERNITAS, que quer dizer “irmandade”, que por sua vez vem de FRATER, que significa “irmão”, a fraternidade consiste em tratar o próximo como nosso irmão. Tem isto por significado, valorizar toda e qualquer pessoa humana, na sua dignidade, e mais: não só não atentar contra ela mas também promovê-la e dignificá-la. O desafio que a fraternidade nos lança foi defraudado por parte da sociedade contemporânea. A dimensão do egoísmo latente e vigente nos dias que correm não dá aso a que tenhamos espaço para tratar o próximo na infinita dignidade que a sua natureza lhe atribui. A solidariedade será sempre a materialização da fraternidade. É pena que um valor de tamanha importância tenha caído em tamanho esquecimento no discurso político.

Pensar a sociedade à luz da pessoa humana é desafiante. São inúmeros os desafios que se colocam quando a olhamos através das lentes do Personalismo. Colocar a Pessoa Humana no centro do discurso político é uma prioridade que, caso ignorada, a médio e longo prazo terá como consequência a total desumanização da sociedade e a total desvirtuação da política. Nesta crónica semanal, debruçar-me-ei sobre as diversas áreas da vida comunitária, tendo por fim uma reflexão crítica do papel que atribuímos à pessoa humana.  Boas leituras!

 

 

Voltar

Contactos

A voz dos Jovens